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Estamos perdendo a qualidade dos produtos?

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Estamos perdendo a qualidade dos produtos? 

Por que aquele ventilador da sua vó ainda funciona e o que você comprou no ano passado já estragou mais de uma vez? É comum aparecerem nas nossas redes de comunicação comentários do tipo "produtos bons eram os antigos" ou "o modelo anterior era melhor". Fora essa percepção que temos, nesses últimos anos acabamos evidenciando isso através das avaliações na Harpyja.

Atualmente já testamos mais de 40 liquidificadores, todos ranqueados por notas e com isso já passamos por algumas gerações de produtos da mesma marca. Recentemente eu estava revisando todas as notas e somente um dos cinco melhores liquidificadores ainda estava em produção; o resto estava fora de linha. 

O que quer dizer isso? Basicamente as novas gerações dos liquidificadores testados não conseguiram superar a nota das gerações anteriores, que já saíram de linha. 

Ah, mas os celulares estão sempre evoluindo, as televisões estão cada vez com resoluções melhores! Sim, isso é verdade, porém a evolução tecnológica mascara a qualidade de um produto.

Isso fica mais evidente em produtos como liquidificadores, pois são produtos centenários que atualmente passam por pouca evolução tecnológica. Produtos que estão evoluindo rapidamente acabam mascarando esse efeito da perda da qualidade, pois sempre estão trazendo funcionalidades novas ou ganhos tecnológicos expressivos. Agora, quando a evolução já atingiu seu pico, tudo isso fica mais evidente e observamos que vivemos essa perda de qualidade em tudo. Essa perda está no carro que você compra, assim como na barra de chocolate que é vendida com a mesma marca por 50 anos. Mas o que está acontecendo?

Não é algo simples de se explicar e todo mundo tem uma dose de "culpa" nessa realidade. Vou largar minhas hipóteses aqui, mas gostaria da sua opinião também nesse assunto. Há muitos fatores mas acho que os cinco abaixo são os que se destacam.

A compra por preço

Existe uma grande parte da população que compra somente por preço. Está embutido na linha de pensamento, "qual é o mais barato?" e a compra ocorre nessa linha. Mesmo tendo dinheiro disponível, podendo comprar produtos de valor agregado muito maior, a falta de valor dada ao produto leva a pessoa a escolher o mais barato. É comum ouvir frases como "Ah, é só para bater uns ingredientes, qualquer um serve". Ou, "Nossa, eu não vou pagar muito por um produto desse". 

Não tenho nada contra comprar produto barato, mas essa linha de raciocínio sem entender direito o que está se comprando leva nosso mercado a uma briga entre os fabricantes para o fundo do poço.

A indústria precisa produzir algo que venda, e se o que vende é sempre o mais barato, cada vez mais teremos produtos mais básicos, somente com o limite de qualidade necessário para realizar uma venda.

Entendo que há muitas pessoas que não tem dinheiro para decidir qual comprar, podendo só adquirir o mais barato, mas grande parte das vezes vale mais esperar para ter um pouco mais de dinheiro e ter o poder de decisão por algo melhor. 

O produto "Chinês"

Primeiro de tudo, não tenho nada contra o produto Chinês. Não acho interessante a estratégia de muitas empresas no trabalho com o oriente, mas o produto em si vindo da China não é algo pejorativo. E estou usando a China como país, mas pode ser Camboja, Tailândia, e etc. 

A principal razão de trabalhar com a China é novamente a indústria buscando entregar o menor custo de produção possível para conseguir ter lucro e brigar por preço. Isso é super compreensível.

O problema aqui é que junto com o produto Chinês vem também o desenvolvimento Chinês, que muitas vezes está distante do que buscamos em nossa cultura.

Em grande parte das vezes a indústria está comprando produtos prontos vindo de fora. Nesses casos o desenvolvimento do produto já está feito e o vendedor aqui tem pouco espaço para ajustar do jeito que deseja. Muitos produtos são vendidos globalmente e com isso a aquisição é de produtos genéricos sem muita preocupação com o hábito do país onde será vendido.

Fora isso também tem outras complicações no trabalho a distância. Seja em tempo de entrega de peças, em ajuste de moldes, na investigação de problemas. Tudo isso trabalhando com um desenvolvimento em outra cultura atrapalha, principalmente se essa engenharia não faz parte de sua própria empresa. 

Como nosso mercado é muito dirigido por custos, é uma conta simples de fazer. Trazer produtos prontos de fora é normalmente mais barato, mais fácil de mudar o design e assim fica mais fácil competir por uma venda. Agora se esse produto vai realmente atender nossa necessidade, isso acaba ficando em segundo plano.

A meta de redução de custo

É muito comum empresas trabalharem com  algum tipo de meta de redução de custo. O que quer dizer isso? A cada ano que um produto já lançado continua "vivo" no mercado ele deve custar menos que no ano anterior. Esse trabalho é feito de várias formas, mas normalmente com a intenção de não trazer perda de qualidade para o consumidor. 

Apesar de parecer simples, reduzir custos sem reduzir qualidade raramente é uma realidade. Sim, às vezes é possível remover funcionalidades pouco desejadas pelo consumidor, ou reduzir a complexidade de montagem ou mesmo um material de tecnologia equivalente, mais barato. 

Porém, na maioria das vezes está se reduzindo material, diminuindo espessuras, reduzindo potência ou comprando materiais de qualidade inferior que "não são perceptíveis pelo consumidor a diferença". “Não são perceptíveis”, pois em muitos casos a redução é pequena e em uma pequena mudança pode não ser perceptível, mas a longo prazo realizando mais,  vira um desastre.

Temos uma limitação do que conseguimos perceber se a redução ou o aumento de algo é pequeno. Por exemplo, se você estiver com uma mala de 1 quilo nas costas e for sendo adicionado 10 gramas por minuto, mesmo que aumente 500 gramas provavelmente você não verá a diferença. Agora se colocar 200 gramas de uma vez, provavelmente perceberá. 

É um pouco do que acontece aqui. Pega como exemplo a espessura de um mesa de fogão de inox. Reduzindo ano após ano um pouco da espessura do inox não se observa diferença significativa comparando ano a ano. A diferença fica clara quando comparamos a versão de anos de diferença e isso que raramente é feito. A perda da referência real gera uma ilusão de mudança impacto ao consumidor. Vivemos isso hoje e dentro da indústria para muitos, é algo imperceptível, pois fica evidente depois de anos e anos de mudança.

As normas e as falsas métricas

Outro complicador da qualidade dos produtos são as normas e suas falsas métricas. Aqui um dos grandes contribuidores para a melhoria é o governo.

Há muitos perfis diferentes de consumidores, mas independente de ser uma pessoa que compra por impulso ou aquele metódico que estuda tudo antes de comprar, a tendência é usar dados do produto para auxiliar na escolha. Seja uma lavadora e sua variação de capacidade ou um liquidificador que tenha mais potência, as pessoas buscam algo para comparar. 

O problema é que para poder existir uma comparação real, é necessário que as normas contribuam para evidenciar uma diferença significativa e consequentemente o consumidor usando os números possa chegar em uma decisão concreta. 

Agora, se as normas são fracas, a tendência é das empresas estagnarem a evolução dos produtos e acabarem trabalhando na evolução de itens desnecessários que só são interessantes para chamar mais a atenção do consumidor. 

Um exemplo são as potências dos liquidificadores. A norma brasileira exige a declaração da potência de pico de um liquidificador, porém esse pico não é o que importa mais para o funcionamento do liquidificador, e sim a potência média. Como o consumidor associa potência com capacidade de triturar alimentos, ter uma potência grande é algo que as empresas buscam, porém como a norma é fraca, as empresas gastam energia em conseguir uma potência de pico alta, e não uma potência média alta. Isso acaba levando ao mercado liquidificadores que queimam com facilidade mesmo com 1000W de potência.

Nossas normas brasileiras deixam a desejar e com isso travam a evolução dos produtos no Brasil. A área de máquinas de lavar é impressionante. Estamos com normas de 20 anos atrás, gastando quantidades absurdas de água em ciclos de lavagem, tendo a ilusão de que nossas máquinas realmente lavam bem a carga para qual foram declaradas. 

É impossível evitar das empresas trabalharem para dar um "jeitinho" de se destacar mais tentando explorar as normas. E é por isso que elas devem ser constantemente atualizadas e cada vez mais “apertar” a indústria para favorecer a evolução dos produtos. Países como a Austrália e Nova Zelândia têm produtos com tecnologias de décadas na frente do Brasil simplesmente pelas normas obrigarem a indústria a entregar produtos que atendam o que o consumidor precisa, se preocupando com a sustentabilidade e agressão ao meio ambiente. 

O incentivo ao descarte

Estamos aos poucos tendo mais consciência do que consumimos, do que descartamos, mas ainda estamos prematuros nesse universo. Ainda estamos em um crescimento no grau de descarte de lixo, reduzindo as chances de consertar os produtos comprados. 

Anos atrás comprar um liquidificador era algo caro e iria se fazer de tudo para consertar aquele produto. Hoje com as reduções de custo, com o uso excessivo do plástico, o reparo muitas vezes sai mais caro do que comprar um produto novo. É um ótimo caminho para a indústria estar sempre vendendo produtos novos, mas ao mesmo tempo é um incentivo para a produção de produtos "descartáveis". 

Para quebrar esse ciclo é necessário um trabalho mais pesado dos orgãos governamentais, pois tudo isso não só está afetando a qualidade dos produtos, mas está afetando o meio ambiente. Países um pouco mais conscientes já estão impondo leis para as indústrias coletarem o produto vendido ao usuário depois dele ter sido descartado pelo consumidor. Esse custo extra para a coleta, pesa no custo de fabricação e consequentemente força a qualidade dos produtos a aumentar. Um produto que dura mais tempo, tem um valor agregado maior, porém irá trazer uma margem de lucro maior para a empresa, e valerá a pena mesmo que seu ciclo de vida seja mais longo na casa do consumidor.

Assim mesmo há muitos países importantes na economia mundial que incentivam o desperdício, o descarte e consequentemente dificultam a briga do mercado, favorecendo outros países a seguirem o mesmo comportamento pelo lucro na rápida troca de produtos. 

O que podemos fazer?

Dependendo de onde você se encontra, pode contribuir de formas diferentes. Se está na indústria de produtos, pode tentar ver meios de viabilizar projetos de maior valor agregado com boas estratégias de vendas, se está em órgãos governamentais pode favorecer a evolução das normas. Mas mesmo como um consumidor podemos fazer algo. Segue abaixo algumas sugestões:

  • Busque mais informações do produto antes da compra. Veja as avaliações aqui na Harpyja e seja crítico na decisão.
  • Invista em qualidade. Isso não quer dizer que irá comprar o mais caro, mas coloque um peso maior para a qualidade. Na maioria das vezes pagar um pouco a mais traz ganhos muito significativos. 
  • Seja chato. Se a qualidade do chocolate caiu, não compre mais, busque algo melhor. Se o produto não funciona do jeito que era para funcionar, reclame, leve na assistência, acione a garantia. Tudo isso traz um custo para a empresa e obriga eles a fazerem melhor no futuro.
  • Não deixe ser levado por etiquetas, sem comparar com outros produtos. Se todos os produtos estão no mesmo patamar, provavelmente a norma está velha e a etiqueta em si não faz mais muito sentido.
  • Não precisa ter preconceito com os produtos da China, mas veja se o produto foi desenvolvido para atender os seus hábitos.
  • Precisamos melhorar nossas normas, mas para isso não tenho um plano ou sugestão simples. Caso alguém tenha sugestões, joga nos comentários aqui embaixo.

Há muito mais que podemos fazer então se tiver sugestões, coloque seus pontos abaixo.


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Sobre o autor

Cirilo Cavalli é um engenheiro detalhista e criterioso. Passou mais de 10 anos desenvolvendo tecnologias e testes para eletrodomésticos ao redor do globo. Ele possui grande paixão pelo que faz e se preocupa em sempre trazer informação clara e útil utilizando dados para auxiliar seus leitores a tomarem as decisões mais adquadas para os produtos que buscam.

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