Esterilização com Luz UV funciona?

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Luz UV Elimina Bactérias?

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Luz UV Elimina Bactérias?

Um ponto que todos temos em comum é o apreço e cuidado pela nossa casa. Organização é parte do processo, assim como a limpeza. Para muita gente, grande parte disso está relacionado com a alergia à poeira e/ou ácaros, mas também envolve lavar as mãos quando chega em casa (principalmente se do hospital) para não “trazer os germes”. Pensando justamente nisso, alguns produtos de categorias diferentes se unem nesse combate aos ácaros, germes e vírus. E muitos deles levantam a bandeira do UVC.

Os produtos mais comuns de se encontrar a tecnologia de esterilização são purificadores. É possível encontrar modelos de ar, como o EOS Care EPU02, e de água, como o Electrolux PA31G, que oferecem o UVC como parte do seu processo de purificação.

As opções não se reduzem a essas, e ao cavar mais fundo encontramos uma infinidade de produtos que adotam a tecnologia. Aspiradores, esterilizadores de mão para viagem ou modelos para celulares e instrumentos estéticos, plataformas de desinfecção de calçados, filtros para piscinas, suportes para escovas de dente, até luminárias… É uma verdadeira infinidade.

Apesar da proposta ser interessante, é preciso que ela seja cumprida. Além disso, muita gente ainda não compreende ao certo o que seria esse tal de UVC. Afinal de contas, é radiação? É igual micro-ondas? Faz mal? Funciona? E se pegar na pele? Fica na água ou no ar? Para tirar você do escuro, decidimos explicar com calma e desmistificar essa história.

Ao longo do texto, você vai encontrar links para as principais fontes utilizadas. Se quiser se aprofundar no assunto ou compreender melhor os fatos e argumentos, tem por onde começar.

O que é UVC

Se não está familiarizado com a sigla, UVC significa ultravioleta-C. É uma categoria de onda eletromagnética na faixa do ultravioleta. Você provavelmente teve mais contato com seus vizinhos sempre citados em protetores solares: o UVA e UVB emitidos pelo Sol.

Muita gente chama o ultravioleta de radiação, e a nomenclatura não está errada, mas a palavra “radiação” carrega uma conotação de perigo que nem sempre está precisa. Toda a luz visível é radiação, assim como as ondas de rádio, WiFi e o infravermelho que aparece nos controles remotos. Por isso há quem chame de luz ultravioleta.

A diferença de uma luz/radiação para outra é seu comprimento de onda. Dispondo tudo numa escala, é possível visualizar as regiões como mostrado abaixo:

Pensando no ultravioleta, grande parte da luz UV emitida pelo Sol que atravessa a camada de ozônio chega até nós na forma de UVB e principalmente UVA. Ambos estão relacionados a várias questões da pele, como bronzeamento, queimaduras, pintas, rugas e até câncer de pele. UVA penetra profundamente na nossa pele, enquanto o UVB atinge apenas a camada superficial.

O UVC, por outro lado, não chega até nós através do Sol. Seu poder de penetração é ainda menor que o UVB e acaba sendo totalmente absorvido pela camada de ozônio. As únicas fontes de UVC que temos são artificiais como tochas de soldagem, e lâmpadas de mercúrio.

Fontes de UVC

Por muito tempo, a principal fonte de UVC que tivemos foram lâmpadas fluorescentes de Vapor de Mercúrio de Baixa Pressão (VMBP). Hoje em dia o Brasil participa da convenção de Minamata que diminui o uso de mercúrio e esse tipo de lâmpada dificilmente se encontra.

Por essa necessidade, pesquisas sobre o uso de LEDs UV como substitutos vêm sendo realizadas e foram aceleradas pela pandemia de COVID-19. É por conta de pesquisas nesse tema, que vemos LEDs substituindo as VMBP e aparecendo em produtos como o Wap Dustmite.

Em muitos produtos vemos esses LEDs UVs acompanhados de outros comuns. Isso acontece para indicar visualmente o funcionamento do ultravioleta, que é invisível. Se aproveitando do nome ultravioleta, esses LEDs costumam emitir luz na cor roxa ou azul. É o caso do acessório de carpetes do aspirador Wap Magic.

Como Funciona

Agora que entendemos melhor suas fontes, é preciso compreender qual sua ação sobre micro-organismos, ácaros e vírus. O processo é essencialmente o mesmo em cada um.

A luz UVC age sobre o DNA e RNA desses seres, desconfigurando as proteínas que formam as sequências genéticas e criando conexões falhas que tornam os genes inúteis e inativos. Resumindo, ele corrompe partes do código genético, tornando impossível que o micro-organismo continue se desenvolvendo. Esses erros vão afetando funções vitais até que leve à mortalidade.

Por afetar diretamente o DNA e RNA, o método é eficaz em inativar muitos organismos unicelulares como bactérias comuns, superbactérias (resistentes à maioria dos antibióticos), bolores, leveduras e até mesmo vírus como os que causam COVID-19 e gripes diversas. Embora alguns organismos necessitam de mais tempo de exposição ou intensidade da luz para serem inativados, por atuar num nível tão fundamental à célula, não há relatos de seres vivos ou vírus se adaptando para construir resistência para o método.

Por outro lado, fica claro que o ultravioleta apenas inativa esses organismos, mas não produz ação contra partículas e outras impurezas. É por isso que em purificadores de água como o Electrolux PA31G, o tratamento UV é acompanhado de outros filtros. O mesmo pode ser evidenciado em mesas esterilizadoras de instrumentos para saúde, que lidam com instrumentos contaminados, porém já limpos.

Ácaros

Apesar de serem animais multicelulares, os ácaros são afetados pela radiação UV. Estudos lidam com diferentes abordagens: variando tempo de exposição, contagem de indivíduos imediatamente após o tratamento ou por dias após, espécies diferentes, distância da exposição da luz... Entretanto, algumas informações permanecem consistentes: o aumento da efetividade atrelada ao aumento na irradiância (combinação de tempo e intensidade) da luz, os testes em superfícies lisas e a mortalidade maior em ovos do que indivíduos adultos.

Analisando os resultados consistentes com ovos de ácaros, múltiplos estudos ([1], [2] e [3]) relatam letalidade completa em suas condições menos agressivas com pouca exposição. Os problemas de alergia em humanos estão relacionados a proteínas encontradas nas fezes e carapaças dos ácaros, e interromper o crescimento desses aracnídeos antes de eclodirem impede o desenvolvimento de novas gerações e a criação de alérgenos.

Riscos a humanos

Esse risco de falha genética se aplica em humanos? É possível desenvolver câncer por conta do UVC? Bom, o UVC tem efeitos imponentes, mas por seu baixíssimo nível de penetração a resposta hoje é não. A camada mais exterior da nossa pele é composta de células mortas, e o UVC não é capaz de penetrá-la. Por isso até o momento não foi atrelado a nenhum caso de câncer de pele.

Por outro lado, o UVC ainda carrega altas quantidades de energia, e pode causar problemas ao atingir tecido vivo diretamente. Contato com a pele pode provocar vermelhidão e queimaduras. Contato direto com os olhos (mesmo por poucos segundos) pode provocar queimadura nas córneas, efeito parecido ao olhar diretamente para o Sol. Esses efeitos, apesar de dolorosos, costumam passar em poucos dias e o risco de efeitos duradouros é extremamente baixo.

O comprimento de onda mais eficaz para o efeito germicida e acaricida é 254 nanômetros, porém algumas lâmpadas também produzem luz em comprimentos de onda vizinhos, podendo gerar ozônio, que causa irritação nas vias aéreas; e UVB, cuja exposição prolongada pode causar catarata e câncer de pele. Em relação a danos não relacionados a humanos, radiação ultravioleta como um todo tem a capacidade de degradar plásticos e desbotar tecidos.

Se a preocupação é do ultravioleta “contaminar” a água ou ficar “contido” nela quando for beber, isso não acontece. O UV funciona como a luz e, assim como a luz do Sol, atravessa a água mas não deixa resíduos nela pois não é algo solúvel, é energia pura.

Se os malefícios aparentam ser grandes demais em comparação aos benefícios, considere que há vários meios de lidar com isso. Produtos químicos são perigosos, mas continuam sendo utilizados na desinfecção de ambientes; tal qual exposição contínua a Raio-X causa problemas de saúde, mas exames ainda são feitos com a radiação. O segredo é encontrar formas seguras de utilizar. Soldadores produzem UVC com a chama do maçarico, mas suas roupas de proteção e visor os protegem. A outra opção mais óbvia é apenas não estar no ambiente enquanto há irradiação. Mesas de esterilização isolam os objetos longe do alcance humano durante o processo. Materiais simples também podem ser usados como camadas de proteção: o oxigênio da atmosfera absorve luz UVC, e mesmo o vidro comum bloqueia quase 100% de sua incidência.

Far-UVC

Também há pesquisas para uso de uma luz ultravioleta C segura para humanos, a chamada far-UVC (comprimento de onda 222 nanômetros). Essa luz é produzida por uma lâmpada diferente, e resultados mostram-se promissores em suas capacidades esterilizantes ao mesmo tempo que mantém a segurança para humanos. Com um poder de penetração mais baixo, a far-UVC não fornece os problemas de exposição direta apresentados acima e seria uma opção para purificadores de ar baratos e de fácil instalação.

Ainda assim haveriam algumas questões a serem discutidas para a implementação do far-UVC em salas habitadas ou sistemas de ventilação, como a geração de ozônio e provável necessidade de filtros HEPA para lidar com material particulado e/ou retirada dos micro-organismos inativos do ar.

Recomendações

Enquanto essa tecnologia de far-UVC não se dissemina, o uso de lâmpadas UVC como bastões de esterilização não é recomendado. A exposição sem treinamento pode levar a sintomas prejudiciais, além de que a esterilização não será adequada. Muitas variáveis irão ocorrer pelo uso manual: distância, tempo de exposição, material da superfície… Que vão comprometer o uso e eficácia do método. O uso de lâmpadas em alguns hospitais e clínicas ocorre, mas por meio de estações de desinfecção com capacidade formidável, preparo do ambiente e manuseio por pessoal qualificado.

O uso em superfícies lisas, como celulares, tem a eficácia mais garantida. Entretanto, com o baixo poder de penetração do UVC não podemos esperar que ele atinja profundamente em circunstâncias densas. Utilizando durante a aspiração de carpetes, por exemplo, as cerdas de tecido e partículas de poeira diminuem a exposição dos ácaros ao ultravioleta. A esterilização de escova de dentes também seria prejudicada. Parte pelas fibras tão próximas entre si, parte pois o nylon (material das cerdas) é gravemente afetado pelo UVC. O uso contínuo degrada as cerdas, diminuindo a vida útil do produto.

Além do uso real ser mais restrito do que parece, propagandas e afirmações falsas são fáceis de serem feitas, já que o consumidor não é capaz de obter dados reais sobre a emissão da luz e o efeito germicida. No Brasil, apenas produtos “destinados à desinfecção de produtos para saúde” são regularizados pela ANVISA, que reconhece a eficácia do UVC (enquanto os micro-organismos estão expostos diretamente à luz) e os perigos da superexposição.

De certo ainda haverá muita discussão sobre as capacidades germicidas e acaricidas do ultravioleta no futuro. Especialmente porque o tópico parece ter ganho novo fôlego durante a pandemia de COVID-19 e a busca por métodos de esterilização. Se está buscando por um produto agora, diria para ter muitíssimo cuidado e optar pelas aplicações diretas em meios como ar e água. A facilidade na aplicação da tecnologia e falta de conhecimento geral do público faz o UVC aparecer em uma infinidade de produtos simples, que podem simplesmente não entregar o que prometem e você não irá saber. Não vejo os órgãos de fiscalização priorizando os testes complexos necessários para a etiquetagem num futuro próximo, deixando o consumidor às cegas…

A incrível eficácia do tratamento e aplicação relativamente simples fazem muito barulho e levantam uma onda de anseio que é naturalmente seguida pela oferta de produtos diversos. Entretanto, é preciso analisar qual a aplicação, necessidade e garantia de funcionamento das lâmpadas antes de tomar qualquer decisão para não ser pego no alvoroço.


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Sobre o autor

Gabriel é estudante de Engenharia de Controle e Automação, santista e fascinado por literatura, física e RPG de mesa. Hoje trabalha na Harpyja como Técnico de Produtos, se esforça para cometer menos erros e tenta entender os porquês da vida.

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